segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

De fim de ano




"Enquanto houver você do outro lado
Aqui do outro eu consigo me orientar
A cena repete a cena se inverte
Enchendo a minh'alma
d'aquilo que outrora eu deixei de acreditar

Tua palavra, tua história
Tua verdade fazendo escola
E tua ausência fazendo silêncio em todo lugar

Metade de mim
Agora é assim
De um lado a poesia, o verbo, a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
E o fim é belo incerto...
depende de como você vê
O novo, o credo,
a fé que você deposita em você e só."



Era meio dia, de um dia comum de inverno. A chuva havia molhado a calçada, e eu caminhava nas minhas botas felpudas por dentro, com aspecto de pata de elefante por fora. Soa pesado, mas meu caminhar era leve, eu tinha visita em casa, e mais uma vez, estava indo ao Big Ben fazer turismo - e por ter feito isso tantas vezes, repetia que já poderia receber o título de guia turística oficial de Londres. E se fosse considerado que poderia fazer o caminho de casa até a estação de metrô de olhos fechados, de repente até ganharia o título de cidadã oficial da cidade. Era o que queria, mas não era o que viria a acontecer. Meu caminho estava longe dali, embora eu ainda não soubesse. E se soubesse, desacreditaria, duvidaria, negaria até o fim, porque ir embora não era o que o coração pedia. Era temido, era sofrido. E foi nesse mesmo caminho repetido que me deparei com o que mais tarde eu chamaria de "sinal". Sim, porque se você sempre faz o seu caminho corriqueiro, deixa cair o tercinho que sua mãe lhe deu antes de viajar, não dá por falta dele, e depois de muito tempo o encontra pendurado numa plantinha no meio dos seus passos rotineiros de idas e vindas pra casa, o que você conclui? Bem, não sei como anda a sua ligação com os céus. Também não julgo e nem tento convencer a ninguém das minhas crenças. Pra lhe ser sincera, há muito eu já não acreditava mais em milagres divinos, e não pense você que um tercinho pendurado numa plantinha, sozinho, teria esse poder: o de me fazer voltar a acreditar. Não. Foi mais do que isso. Foram as vezes em que eu não pedi, e caiu do céu a resposta que tanto me pinicava. Ou a solução que me era cobrada, ou o encaixe de peça que faltava. Foram as pessoas que vieram ao meu encontro, foi o que aprendi com elas por aquele determinado momento, foi o que pude ensinar a quem precisava me ter em sua vida, foi a simples e pura troca de vivência, de olhares, de crenças, credos, cores de dentro.

Nunca tinham me pedido para escrever um texto. As expectativas eram em volta de um suposto livro que, um dia, eu lançaria. E diante de uma expectativa tão alta, que pedido singelo era esse que não poderia ser atendido? Pensei em falar de sonhos, mas o meu texto veio com tema pré-selecionado, e eu não tinha como escapar. Se me pedissem para resumir em poucas palavras esse tempo fora eu diria: Liberdade, independência, sonho, aventura, superação. Mas quando minha mãe veio com o pedido de um texto sobre fé para entregar a vocês na minha chegada, eu pensei porque caberia a mim escrever sobre fé, se eu nunca havia sido muito devota de qualquer religião, e porque alguém daria crédito a alguém como eu, que pareço não saber falar sobre assunto sério porque mesmo quando o assunto é sério me escapam sorrisos de canto de boca, apertados, loucos para escapar. E foi quando comecei a escrever que percebi que a minha fé não vinha de igrejas, de santos ou de rezas. A minha fé vinha da minha força, de sinais que a vida me mandou pelo caminho, e se vocês tiverem interesse, vou contar!

No que eu acredito? Acredito que recebemos constantemente mensagens dos céus, dessa energia superior e maior de todas que nos protege e nos guia. Não me atrevo a falar de Deus, não por ser discrente, mas por ainda estar engatinhando nesse assunto. Eu acredito em sinais. Acredito que pais e mães são semi deuses, que amigos são anjos, e que nada acontece por acaso. Parece clichê, mas aquelas frases repetidas são a mais absoluta verdade, ao meu ver. O que nos fortalece é o saber. Saber que não estamos sozinhos, que embora do outro lado do mundo, do lado de cá tinha essa força de mãos dadas, essa prece no ar. Como aquela música de Teatro Mágico: "enquanto houver você do outro lado, aqui do outro eu consigo me orientar." E de verdade, as nossas verdades fazem a nossa história. No Havai eu subi numa prancha e caí no mar. No Marrocos eu subi num camelo e caí no deserto do Saara. Fascinante. Não apenas pelas paisagens de cinema, e por enredos previsíveis. A mocinha do filme em busca da própria estória. Não foi só isso. Foi a busca por mim mesma. Por saber quem eu realmente era, e o que eu realmente queria. Sonhos. Eu sempre tive necessidade deles. De estar sempre criando novos planos e sonhando novos sonhos. E de sonhos eu alimento minha alma, faminta por desafios, com sede de mundo, de mim, de uma versão melhor de mim mesma.

Pra terminar, tive um devaneio sensato, caberia também contar. Eu nunca me formei em nenhum curso de faculdade, e confesso que meu sonho era escrever os agradecimentos do convite da solenidade e festa de formatura. Mas olhe que ironia, eu que já me peguei muitas vezes elaborando esse textinho de gratidão pela conquista de um diploma, agora estou aqui escrevendo um textinho de gratidão pela conquista de tudo que ganhei nesse tempo fora. Então vamos fazer assim; de trás pra frente, começando do final: eu escrevo o texto agora já agradecendo pelo diploma, e daqui há 4 anos vocês me lembram do quanto pareci confiante nesse dia de hoje? Pois bem, que fique então aqui o meu agradecimento à minha mãe. Por nunca ter me pedido nada além desse texto. Pela aceitação recíproca. Por ter amaciado as verdades e por ter sempre rezado com tanta vêemencia por suas três filhas. Se demorei tanto pra concluir esse texto, foi porque me exigi não entregar a ela nada inferior ao que ela merece. Por ter investido e apostado todas as suas fichas em mim: Obrigada.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Na lixeira


Conselho de Ferreira Gullar aos jovens poetas, na Folha de São Paulo: "Você é o primeiro leitor do que você escreve. Seja exigente o máximo que puder".

*

É por ser a primeira leitora do que escrevo que ando não publicando os meus rabiscos. São frases e mais frases soltas e flutuantes num ar de censura própria que não as julgam belas. Me perdoem, queridas palavras. O perfeccionismo não me permite torná-las livres.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Dia desses



Eu toco essa mágica flutuante, mergulho na alegria ofuscante, e aproveito os dias de plenitude, os encaixes que me ocorrem, as faltas de rima, de linguagem apropriada, de metáforas inalcançadas. O que me alcanca hoje é bonito, é majestoso, é felicidade...e para ela, abro a porta arrepiada, dou a mão e mostro meus quartos, meus raios de luz, meus gestos desnudos, meu abraço completo. Enquanto tudo é gesto, olhares e toques. Enquanto tudo é surpresa, presente e futuro.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

27 primaveras


E na completude daquela manhã vazia, amanhecia a serpentina desbotada. Havia saracutiado pelos salões e conhecia o carnaval, o canto de trombones, também o canto de cigarras. Cantaria um dia, brilharia em palco, mas não naquela manhã. Amanhecia preocupada, com ímpetos de formiga que junta comida pro inverno. Não havia se preparado pro inverno. Havia cantado todo o verão, tal qual a cigarra, e havia sonhado com o perfume da floresta, experimentado o frescor de suas folhas, o rubor de suas ofertas. Estava ali por inteira. Nas maçãs pálidas, mas talvez um pouco coradas por sol, nas madeixas emboladas, no traço fino e cheio de seus lábios, no olhar calmo de uma manhã mais velha. Estava ali. Em suavidade nos gestos, e com mais idade na face. Era a vigésima sétima primavera de quase verão que ela vivia. E sem mais delongas, aproveitaria o resto do dia. E sem mais atrasos, o resto da vida.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Convite


Convite pro paraíso mandou me chamar. Porque jamais seria diferente, mandei aceitar. Convidei sombra, céu e mar. Convoquei rede, brisa, orquestra, alegria sabida, leveza de olhar. Pés descalsos mandou me chamar. Porque nasci brasileira, mandei aceitar.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Mine


"Lembro-me de levantar ao amanhecer. Havia tamanha sensação de possibilidades, sabe essa sensação? Eu me lembro de ter pensado: ' Este é o inicio da felicidade. É aqui que começa. E, sem dúvida, sempre haverá mais'. Nunca me ocorreu que não era o começo. Era felicidade. Era o momento. Naquele exato momento."

[As Horas]

*

Quando tudo se completa e as palavras são apenas encaixes naturais.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

"Curtindo minha baianidade nagô!"






"Isso é pra te levar na fé
Deus é brasileiro
Muito obrigado axé

Quem tem santo é quem entende!

Quanto mais pra quem tem ogum
Missão e paz
Quanto mais pra quem tem ideais e
Os orixás

Joga as armas prá lá
Faz a festa

Joga as armas prá lá
Traz a orquestra"


*

Esse meu canto de cá nunca foi tão amado por mim. Mas fazer o que se as cores me seduziram e o brilho me enfeitiçou? Cidade de encantos e minha, inteiramente minha. Não há esquina que não possa ter a mim, não há avenida que eu não possa construir. E tem um gosto tão meu, com 'um tanto tão grande' de minha história, que eu ando saboreando esse sabor de sorrisos quentes, dias quentes, raios quentes de tudo em volta de mim. Eu ando tão no superlativo que não caibo apenas no hoje, e dei pra me conjugar em verbos de futuro ainda estando no presente, como se fosse uma premonição, uma espera, previsão. Me tentaram a ir numa cartomante, mas recuso receber meu futuro dito assim, em palavras de alguém que mal conhece a mim. Mania do povo de querer prever! Eu escolho não saber. Escolho alimentar minha intuição, minha pressa, minha garra e até essa agonia pela nova profissão. Ansiedade boa pelas caixinhas de surpresa que tenho sonhado e aberto com gosto, rasgando o papel com a fúria de uma criança no Natal. Se tivessem me contado antes - e digamos que sim, me contaram - eu não teria acreditado nessa euforia explosiva tomando conta de mim. Porém talvez, se tivesse me caído dos céus em qualquer outra época, minha guru espiritual, e ela tivesse me feito crer no poder do ser, me feito fechar os olhos e enxergar dentro de mim aquela capacidade de fazer acontecer...ah, aí talvez eu já tivesse construído um império! Então, por esse poderoso ar de conquistas de agora, eu agradeço a Deus que é brasileiro (e que de quebra, também deve ser baiano): "Muito Obrigado Axé!"

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Dive, baby, dive!


"Pertencia àquela espécie de gente que mergulha nas coisas às vezes sem saber por que, não sei se na esperança de decifrá-las ou se apenas pelo prazer de mergulhar..."

Caio Fernando Abreu

*

Que indecifrável desejo e passível de manter-se por entre meus dedos, sem preocupar-se com durações de tempo. Segurava nas mãos como gotas de chuvas quando caem sobre si. Escorregando, mas ficando. Não importava entender. Como diria Clarice, entender enquadra, limita. "O bom é ser inteligente e não entender. Eh uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida". Era alguém que entendia do que te dava prazer, e por tempo tambem não questionado, isso te seria suficiente.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Aprendendo


"A denotação é justamente o resultado da união existente entre o significante e o significado, ou entre o plano da expressão e o plano do conteúdo. A conotação resulta do acréscimo de outros significados paralelos ao significado de base da palavra, isto é, um outro plano de conteúdo pode ser combinado ao plano da expressão. Este outro plano de conteúdo reveste-se de impressões, valores afetivos e sociais, negativos ou positivos, reações psíquicas que um signo evoca.
Portanto, o sentido conotativo difere de uma cultura para outra, de uma classe social para outra, de uma época a outra. Por exemplo, as palavras senhora, esposa, mulher denotam praticamente a mesma coisa, mas têm conteúdos conotativos diversos, principalmente se pensarmos no prestígio que cada uma delas evoca."

*

Cabe a qualquer jornalista saber divulgar as notícias de forma objetiva e direta. Cabe a mim aprender a escrever no sentido denotativo. Sem dramas, Senhora esposa das palavras, mulher do jogo de letras, que junta e mistura alma em metáfora, o peito por escrito. Tudo por vontade de ver meu mundo construído.

domingo, 19 de setembro de 2010

Docinho


"Deixai correr sem susto as horas belas."
Machado de Assis

*

A doçura dos momentos espontaneamente nossos, tão livres e tão nossos. Nem meu e nem seu, apenas nosso.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O que é que a baiana tem?




Joga uma pitada de sol no tabuleiro da baiana e você descobre do que ela é capaz! Toca um tambor, ouve um batuque, assiste um requebrado, come um dendê, se deita sobre as areias, mergulha nesse mar, e você vai ver...do que a baiana é capaz! Não podia ter ficado escondida, essa terra perdida, não podia deixar de sambar. Agora vem e aplaude, porque não é sempre que se vê tamanha alegria num só lugar.



* A Bahia tem tempero, tem cor e tem magia, mas eu preciso que o sol apareça pra iluminar e me fazer enxergar.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

ausente


"Daqui desse momento
Do meu olhar pra fora
O mundo é só miragem
A sombra do futuro
A sobra do passado
Assombram a paisagem
Quem vai virar o jogo e transformar a perda
Em nossa recompensa?"
[Lenine - É o que me interessa]


*

Eram dias de não saber. Não saber quando passaria, ou melhor, quando a alma voltaria, porque ouviu dizer que ela viria mais tarde, chegaria com calma, atrasada, e se assentaria no corpo doente de sua ausência, não era a toa que estava de cama. As coisas, elas não faziam sentido, em sua mente e nem nos seus instintos. A chave de casa não abriu a sua fechadura, as gavetas não lhe cabiam de serem lembradas, aonde guardava? Aonde encontrava? Os dias lhe passavam lentamente, numa angústia de mal passar, era doído não saber quando passaria, ou melhor, quando ela voltaria, a alma atrasada que não quis voltar. Uma montoeira de remédios se acomodavam no seu criado mudo, e ainda mais muda ela sentia a vida passar com gosto de xarope de cabeceira. Longos silêncios ardidos de febre, embora fria, estava quente. O sol, em auge de galanteios, a convidara a voltar, e agora era difícil suportar o desencontro, já que havia sido traída por seus encantos, que a atrairam, e quando veio; que enorme desencontro! Lágrimas corriam pela janela, porque lá fora também não faziam bons dias. Nada estava bom. Tudo era não saber e isso te matava pouco a pouco, te tirava brilho e a mágica de acreditar. Pobre passarinho na gaiola, tão apático e sem canto. Sem cores no bico, nas penas, no ar.

sábado, 14 de agosto de 2010

do tempo





E porque me perguntou eu te digo que tem sido assim, um tanto estranho estar de volta pra casa. Tenho conseguido me sentir sozinha entre mil pessoas e quando penso em contar, tenho a leve impressão de que não seria compreendida. Como se meu mundo interno fosse um código de barras pra essas pessoas. Como se eu fosse um quadro abstrato daqueles do Tate Museum, que as pessoas olham os rabiscos vermelhos e não entendem o que leva um artista famoso a pintar um quadro gigante apenas com pinceladas de tinta vermelha. Arte Moderna, talvez eu seja arte moderna. Mas é bem assim que eu estou, e é bem vermelha que tenho sido desde que dei maior importância a esse sangue quente e ansioso correndo em meu peito. Estar de volta provoca dor física. Sinto um vazio daí...um espaço que não se preenche com nenhuma tentativa de substituição, um espaço de Londres que ficou e não se doa, não se rende, não se empresta e nem se esquece! E vou te dizer: isso dói! Já é tarde, eu acabei de voltar de uma festa. Tudo esta normal, mas eu não gosto dos normais, não gosto de comuns, de previsíveis e de tudo certo demais. Me dá falta de ar! Minha boca fica seca e com a voz já rouca eu tento gritar: tenho sede de novo! De novo, entende??? E se as pessoas parecem de plástico, e se seus mundos não falam a minha língua, e se eu não caibo mais nesse espaço apertado, que tipo de vida minha alma já planeja pra próxima fuga? Por enquanto o que me parece é que saí da máquina do tempo depois de uma chacoalhada, pousei de outra galáxia e estou perdida nesse antigo planeta. Se tem salvação, eu sei não.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

janela do mundo moinho


"Ainda é cedo amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora da partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção querida
Embora saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões à pó.

Preste atenção querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás a beira do abismo
Abismo que cavastes com teus pés."




*

Cazuza cantando assim baixinho no meu ouvido.
E eu gritando assim pro mundo que dele eu não largo.
Que ele me seduziu, me hipnotizou, puxou pela mão,
me arrastou pelos becos, me misturou em multidões...
e então agora que me tolere, me aguente, que suporte meus delirios
alias, que ainda mais, me surpreenda em cada troca de vida,
em cada troca de esquina
em cada troca de tempo...
Encomendo magia e não abro mão das cores
do desconhecido
e do inesperado.
Grata
A viajante
(Porque quando nao acontece fisicamente, tende a acontecer mentalmente por demais. Na verdade, acho que acontece de qualquer forma.)

ainda aqui


Ainda estou aqui na nossa cidade, aonde vocês já não estão, aonde sempre estaremos, em pedaços de mosaico, por essas ruas encantadas e cheias das nossas almas andando pelos cantos daqui. Nao é apenas o que levamos que traduz a importância de algo, é também o que deixamos pra trás, e prevendo a dor da perda, passeio em frente aos lugares por onde estivemos, tentando encontrar um pouco do que foi nosso pra poder salvar no peito, na corrente de lembranças, no pensamento de saudade que um dia vai vir visitar. E ainda posso escutar nossas risadas e sentir que a cadeira na qual você sentou ainda está quente, e eu reconheço que veio do seu corpo, porque era esse mesmo quente que esquentava meus momentos em que o frio espetava os ossos. Aquele morninho de você ainda está nos abraços que demos, e aquele riso solto ainda está nas piadas que contamos, ainda posso lembrar. E com o tempo, o que deixará de ser lembrança pra ser criação da minha mente? E se eu chegar a me perguntar o que de fato aconteceu ou o que já foi minha criatividade que inventou pra dar brilho nas nossas histórias? Dizem que essa é uma grande função da nossa mente criativa, dar graça ao que queremos que tenha graça, preenchendo de beleza os momentos na memória. Antes que aconteça, quero registrar aqui, pro caso de que um dia eu esqueça, que foi tudo lindo em proporções exageradas sim, e que se um dia parecer que estou por aí contando estórias tal qual um Forrest Gump, que seja dito agora: foi tudo pra valer, até quando houve caos, houve poesia. E até quando houveram vazios, houve ternura.

sábado, 31 de julho de 2010

ardendo


- Ela é tão livre que um dia será presa.
- Presa por quê?
- Por excesso de liberdade.
- Mas essa liberdade é inocente?
- É. Até mesmo ingênua.
- Então por que a prisão?
- Porque a liberdade ofende.

Clarice Lispector

*

Havendo rabiscado alguns pedidos, tudo que só queria era que a serenidade da clareza pudesse me acompanhar. E tendo entendido que a gente só fica de verdade pronta pro que vem, quando o presente vira um passado calmo, escolhi pedir que minhas asas não fossem cortadas, que minha liberdade não fosse mal vista, que meu espírito solto fosse pra sempre sina, e que cada pedaço dessa passagem chegasse a mim de forma completa, porque os tempos não voltam e as lágrimas não levam o que veio pra ficar.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

eu vou


"Cause I can't be anyone but me, anyone but me.
And I can't keep dreaming that I'm free, dreaming that I'm free
I don't want to fall asleep and watch my life from fifty feet
My hands are on the wheel so I'm driving to Idaho.
Cause I hear it's mighty pretty...

And oh, I've been dumb, I've been perfectly beautiful
Lain on my back buying lovers with stealth.
But I'm sick of you all, and I'm sick of opinions
And I'm sick of this war I wage on myself...
I don't know why I'm so gripped to go there –
A universe riddle that only I know?"


*


Um universo que somente eu conheço, que tem cores em excesso, luzes em harmonia, e vento na proporção do que eu preciso. Quando preciso que me empurre, quando preciso que deixe ficar. E agora eu preciso que me empurre, e que não seja doloroso, e que não seja nada além do que eu mereço, preciso, e que me espera pra começar.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Seria?


Deitou o copo de vinho no chão e deixou-se cair sobre o lençol. Sentia a respiração ofegante, acompanhava o subir e descer do contorno do seu abdomen e soluçava lágrimas por dentro de si. Não era fraquinha, não era menininha, não era coisa pouquinha, mas queria ser naquele instante. Queria ser menor que você, e deitar-se sobre você, aninhar-se por entre seus braços e te deixar decidir, te deixar responder, te deixar dar as regras, as leis, a verdade soberana. Era cansativo ser tão decisiva, a mulher decidida, a dona da razão e conhecedora do universo. Não conhecia tanto assim. Fecharia os olhos, sim, fecharia. Se entregaria por completo, sem renúncias, sem culpas, sem voz. Não queria ter voz agora, apenas não queria, poderia deixar pra você um pouco. Você seria capaz? Seria proteção, seria mar aberto ou seria redenção?

segunda-feira, 19 de julho de 2010

always apart


"[...] Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu. A noite ultrapassou a si mesma, encontrou a madrugada, se desfez em manhã, em dia claro, em tarde verde, em anoitecer e em noite outra vez. Fiquei. Você sabe que eu fiquei. E que ficaria até o fim, até o fundo."

*

Por isso não te possuia, por isso não deixava-se possuir. Ficar por livre desejo era tão puro. Sem nem mesmo saberem, eram companheiros, e sentavam-se lado a lado nos cantos dos pensamentos, diariamente. Combinavam horarios, datas marcadas, e quase sempre se desencontravam. Restava no fundo aquele toque de piano calmo, triste, solitario, a ausencia da pele, a presenca da voz abafada. Tentavam não demonstrar que se frustravam, tentavam ser maiores que a parceria tão forte que os uniam. Talvez não soubessem que fosse pra tanto, e não diriam, jamais diriam o quanto se pertenciam sem ao menos desejarem. Mas quando acontecia da arte do encontro os presentearem com alguns minutos, se abracavam ate sem se tocarem, conversavam sem trocar palavras, e iam embora com o coracão sereno, por saberem existir para ambos. Em qualquer canto de mundo, de tempo, e de vez, bastava saber que voce existia. E eh por isso, meu bem, que te digo que não te preocupe, nas esquinas por onde passo, eu recebo suas flores.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Divided Soul


"Obrigado Srta. Alves,
A sua reserva foi efetuada com sucesso. Será enviada a confirmação para o seu e-mail."


E entao ficou aos prantos, ao som de Cassia Eller cantando "Estamos indo de volta pra casa...". Srta. Alves imaginava se alguem 'nesse mundo de meu Deus' poderia compreende-la, se alguem nesse planeta inteirinho poderia dizer a ela palavras sabias, que acalentassem sua dor, que acalmassem o seu medo, que entendessem a sua alma dividida. Sentia-se constantemente dividida, e nao conseguia explicar fielmente o sentimento, de forma que, as lagrimas sim, eram suas fieis companheiras da compreensao de um sentimento inexplicavel. Deixar pra tras era o que sentia, o que temia, o que ja a sufocava de dor de saudade, saudade de ambos, de tudo, ate do que ainda nao foi. De esquadros, de esquinas, de pontas de vida dividida. Saudade era sua sina, sua pagacao de pecado, de promessa, de escolhas de vida. E que injusta era a vida quando nos fazia escolher. Que injusto era nao poder carregar de forma que se pode tocar, sentir, viver em tempo presente todo aquele passado de gloria, de bagagem, de vivencia. Perderia o gosto de desafio que carregava na boca? Perderia o gosto de aventura que carregava na bolsa? Perderia o gosto de si mesma, tao repleta de sonhos, tao confiante em cada um dos seus planos, tao cheia de desejos insaciaveis de futuro? Nao queria nem dormir, pra nao perder nem um minuto do presente. Agarraria o tempo pelas mangas e te apertaria o colarinho, te pondo o dedo na cara e gritando em tom decidido: "voce nao vai fugir de mim. Nao vai." Lutou contra o sono como quem luta por mais um minuto de vida, ate adormecer com sonhos brandos no canto dos olhos entregues a mais uma madrugada que se acabava.

sábado, 10 de julho de 2010

Summer fruits



- Cansei, quero ser normal!
E se jogou no chao como se seu corpo pesasse 100 quilos. O dia estava quente como ha muito tempo nao sentia, e ela queria estar na ilha. O sol queimava la fora, seu cabelo preso num coque alto pedia um corte, um cuidado, uma dose de retoques de verao, um dia de salao. As unhas cor de goiaba descacavam, mal pintadas, e o pe cheio de calos bem que gostaria de experimentar o spa das carpas que comem peles mortas. Credo! Tudo bem, nao era pra tanto. Era o velho e bom dramatico efeito do bico que ela fazia. So queria voltar a ser princesa, tava cansada de ser gata borralheira, embora fosse mais digno, ja que o trabalho dignifica o homem. 'Isso eh conversa pra boi dormir', pensou. Mas nem sabia como ela mesma dormiria com tanto pensamento fervendo de calor. Tava tudo muito quente dentro de si...o verao e seus frutos de perdicao.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Fireflies






Eu diria que poucos gestos são tão eficazes quanto os naturais movimentos da liberdade. Eu diria que se não tivesse tanto livre arbítrio e tanto espaço para criar, não desenvolveria tão bem os meus dons e os meus caminhos. Mas, especialmente, eu diria que se não houvesse música, amigos, e sorrisos constantes, aí sim, eu não teria virado nem a primeira esquina. Mas eu ainda acho curiosa a forma como a gente quer sempre mais...

segunda-feira, 5 de julho de 2010

índio alado


"Eu quis o perigo e até sangrei sozinho.
Entenda - assim pude trazer você de volta prá mim,
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do início ao fim
E é só você que tem a cura pro meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi."

(Índios - Legião Urbana)


*

Eu quis o perigo e até sonhei sozinha, sangrei sozinha, voei sozinha. E a cura pro meu vício de insistir talvez ainda não exista, mas se existir, deve estar com você. Eu te pediria uma poção mágica dessas que acalma os ânimos de mais querer, e mais querer, e mais querer. Mas enquanto eu não te encontrar em alguma esquina de vida, vou sentindo essa saudade de tudo que ainda não vi, um dia talvez eu te conte, você vai rir, e quando a gente ri é porque se identifica, você entende. O que alguns não entendem é dessa saudade de futuro, desse gosto na boca, de um 'sei lá o quê' preso na gente assim, que quando tenta se explicar se embola em palavras porque é difícil de dizer e tão fácil de sentir. Aí é que está a graça. No mistério de um sentimento genuinamente próprio e dono de si. Então fica combinado assim, se você não tiver a cura, será que ao menos teria a mesma mochila pra se juntar a mim?

terça-feira, 29 de junho de 2010

Mundo subterrâneo das idéias







"Minha cabeça de noite batendo panelas
provavelmente não deixa a cidade dormir!"

(Chico Buarque - Pelas tabelas)

*


Desço as pressas as escadas do metrô, tempo curto pra poder chegar a tempo, mente agitada, inquieta, confusa. Longas conversas solitárias com as outras partes de mim, cada qual com a sua opnião, cada qual com a sua paixão, cada uma tentando defender o seu lado, seu ponto de vista, dar o seu grito de razão. Do lado de fora; vento, poeira, fumaça, e algumas lâmpadas se acendendo pelos corredores, pelas escadas, ajuda de corrimão, placa de atalho, espelho de direção. Caminho a passos largos pelas ruas que já poderia ir de olhos fechados, e me deparo com eles, os sinais, a todo instante. Outdoor falante, aquele que interage, que você não consegue não ler as linhas, assistir a propaganda, engulir a mensagem. Mas são tantas mensagens, elas as vezes me confundem pra chuchu! Não porque não as absorvo, e sim porque as absorvo por demais. São 'não sei quantos' batimentos de idéias por minuto, movimentos rápidos de olhos enquanto durmo acordada, viajando no tempo das idéias, no campo do pensamento, enquanto tento me situar nesse mundinho real de quinta categoria. Me recuso, faço bico, bato a porta, dou as costas. Uma batalha. O de fora contra o de dentro, e eu no meio de mediadora das idéias (algum extrato positivo haveria de sair de um curso de Psicologia inacabado, eu sei). Ei, volta! Acorda! Em 1 minuto chega o seu trem! No metrô hoje: venda de orgãos humanos, legaliza-se? Prisioneiros devem ter o direito de votar? Patrick, o otimista incurável - ajude Patrick a pintar 100 quadros enquanto ele ainda pode! Novo i pod, novo i phone, novo i pad. I pad??? Google. Do something today! What would you stand for? LIFE. IT'S FULL OF POSSIBILITIES. I think i'm being watched. Ops! Perfection, my friend. That's it. A vida é cheia de possibilidades. Come a little closer!

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Alma cheia



'Não quero perder as minhas asas,
por isso não vou crescer - apenas me desenrolar.'


[Lya Luft]

*

Como poderia ser diferente, vida minha? Como eu te deixaria encolher-se por entre porões e salões vazios? Como não te encorajaria a jogar-se em desafios, a unir-se a outros em arquibancadas, a subir no palco e dar o seu próprio show? Como não te faria subir montanhas? Como não te deixaria experimentar o sabor das nuvens? Como não te deixaria criar seu caminho por entre as estrelas? Como não te ofereceria tamanha liberdade, imensas dúvidas e grandes devaneios? Como não te proporcionaria sonhos, e como, me diga como, eu te deixaria passar em páginas brancas, em rabiscos desordenados, textos finais mal acabados? Não, eu não poderia! Veio a mim essa alma afoita, e veio a mim essa completa falta de saciedade. Eu não me contento, e não vou te deixar ser pouco, ser medíocre, ser o que esperam. Vou dar a você os maiores motivos, e vou deixar em você as melhores marcas. Uma vida cheia de alma, uma alma cheia de vida.

ah, o verão...


"I choose no face to look at, choose no way
I just happen to be here, and it's ok
Green grass, blue eyes, grey sky
God bless silent pain and happiness
I came around to say yes, and I say
While my eyes go looking for flying saucers in the sky"

London, London [ Caetano Veloso]


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Então é isso, fica combinado então. Eu não me deixo seduzir pelos dias de verão como se fossem pra me convencer a ficar, eu apenas os aceito como um presente por ter suportado o inverno com bravura, por ter sido uma boa garota na maior parte dos dias, e por ter vindo até aqui como quem avança estacas e sobe escadas com obstinação, mas também com a leveza de estar fazendo por querer, pelo prazer de ser quem é, e de estar aonde está. (Sim, é mais um post sobre Londres, "pra variar"! :)

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Agridoce





"... uma solidão de artista e um ar sensato de cientista.[...] tem aquele gosto doce de menina romântica e aquele gosto ácido de mulher moderna."

Caio F. Abreu

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Olho pro alto e tento ver resquícios de passagem sua. Nenhum pedaço de roupa rasgada presa na estaca de madeira por onde você poderia ter entrado correndo. Nenhuma pegada na entrada de barro pisado, nem o seu cheiro - aquele que costumava tomar conta da minha paz no momento em que você entrava - nem ele pairava no ar. Fiquei preocupada, pra não dizer que fiquei triste. De fato, havia me acostumado a perder. Nada durava nas minhas mãos. Amores não chegavam a ser amados. Aparelhos eletrônicos se quebravam, ou simplesmente, eram perdidos, esquecidos no banco da escola das crianças, molhados de vinho derramado na bolsa, caídos no chão do ônibus costumeiro. De costume mesmo era perder, e espantoso mesmo, era já não se importar. Seria então por desapego ou apenas por desinteresse? Já não fazia questão de todas as malas que carregava, viagem após viagem. Logo enviaria tudo de navio pro inferno, caso o inferno tivesse mar. Ou me pouparia de esforços - afinal, carregar tudo aquilo era uma tortura aos meus pobres músculos fracos - e largaria tudo na loja de caridade. Vestiria apenas aquela manta laranja dos monges, e iria peregrinar em cidades perdidas, conectada com a natureza, os céus e Deus. Duraria menos de um dia, eu sei. Duraria o tempo de chegar lá e já querer voltar. Mas teria sido bom conviver com criaturas tão calmas e verdadeiramente desapegadas do materialismo banal. E entre tantos pensamentos delirantes, sigo andando pela rua, entrando e saindo de lojas sem nem mesmo prestar muita atenção no que estou vendo, perdida em meus desejos megalomaníacos de ir a Índia, de visitar o Taj Mahal, de andar de elefante e de comer com as mãos...E de repente, saindo da maior loja de souvenirs britânicos de Picadilly, dou de cara com monges fazendo compras. Não controlei o riso, e se eu não tivesse quebrado a minha quarta máquina fotográfica, teria tirado uma foto pra mandar pra minha mãe - sabe-se lá porque, ela vive falando de monges. Senti uma identificação imediata, e se não tivesse com pressa, teria feito amizade. Perguntaria como é isso de ser monge moderninho, e me ofereceria pra acrescentar paetês nas batas laranjas. Mas me recolhi ao meu relógio que me mostrava o horário apertado, o tempo ficando curto e minhas horas vagas acabando, e entrei no próximo metrô com a sensação de que o desapego, de fato, não existe. Seja ele do que for.

Fotos: Minha passagem pelo Templo dos monges Hare Krishna em algum canto da Inglaterra. Casa doada pelo George Harrison, guitarrista dos Beatles, para os monges. Talvez George Harrison soubesse do que se trata o tal desapego.