sábado, 31 de julho de 2010

ardendo


- Ela é tão livre que um dia será presa.
- Presa por quê?
- Por excesso de liberdade.
- Mas essa liberdade é inocente?
- É. Até mesmo ingênua.
- Então por que a prisão?
- Porque a liberdade ofende.

Clarice Lispector

*

Havendo rabiscado alguns pedidos, tudo que só queria era que a serenidade da clareza pudesse me acompanhar. E tendo entendido que a gente só fica de verdade pronta pro que vem, quando o presente vira um passado calmo, escolhi pedir que minhas asas não fossem cortadas, que minha liberdade não fosse mal vista, que meu espírito solto fosse pra sempre sina, e que cada pedaço dessa passagem chegasse a mim de forma completa, porque os tempos não voltam e as lágrimas não levam o que veio pra ficar.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

eu vou


"Cause I can't be anyone but me, anyone but me.
And I can't keep dreaming that I'm free, dreaming that I'm free
I don't want to fall asleep and watch my life from fifty feet
My hands are on the wheel so I'm driving to Idaho.
Cause I hear it's mighty pretty...

And oh, I've been dumb, I've been perfectly beautiful
Lain on my back buying lovers with stealth.
But I'm sick of you all, and I'm sick of opinions
And I'm sick of this war I wage on myself...
I don't know why I'm so gripped to go there –
A universe riddle that only I know?"


*


Um universo que somente eu conheço, que tem cores em excesso, luzes em harmonia, e vento na proporção do que eu preciso. Quando preciso que me empurre, quando preciso que deixe ficar. E agora eu preciso que me empurre, e que não seja doloroso, e que não seja nada além do que eu mereço, preciso, e que me espera pra começar.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Seria?


Deitou o copo de vinho no chão e deixou-se cair sobre o lençol. Sentia a respiração ofegante, acompanhava o subir e descer do contorno do seu abdomen e soluçava lágrimas por dentro de si. Não era fraquinha, não era menininha, não era coisa pouquinha, mas queria ser naquele instante. Queria ser menor que você, e deitar-se sobre você, aninhar-se por entre seus braços e te deixar decidir, te deixar responder, te deixar dar as regras, as leis, a verdade soberana. Era cansativo ser tão decisiva, a mulher decidida, a dona da razão e conhecedora do universo. Não conhecia tanto assim. Fecharia os olhos, sim, fecharia. Se entregaria por completo, sem renúncias, sem culpas, sem voz. Não queria ter voz agora, apenas não queria, poderia deixar pra você um pouco. Você seria capaz? Seria proteção, seria mar aberto ou seria redenção?

segunda-feira, 19 de julho de 2010

always apart


"[...] Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu. A noite ultrapassou a si mesma, encontrou a madrugada, se desfez em manhã, em dia claro, em tarde verde, em anoitecer e em noite outra vez. Fiquei. Você sabe que eu fiquei. E que ficaria até o fim, até o fundo."

*

Por isso não te possuia, por isso não deixava-se possuir. Ficar por livre desejo era tão puro. Sem nem mesmo saberem, eram companheiros, e sentavam-se lado a lado nos cantos dos pensamentos, diariamente. Combinavam horarios, datas marcadas, e quase sempre se desencontravam. Restava no fundo aquele toque de piano calmo, triste, solitario, a ausencia da pele, a presenca da voz abafada. Tentavam não demonstrar que se frustravam, tentavam ser maiores que a parceria tão forte que os uniam. Talvez não soubessem que fosse pra tanto, e não diriam, jamais diriam o quanto se pertenciam sem ao menos desejarem. Mas quando acontecia da arte do encontro os presentearem com alguns minutos, se abracavam ate sem se tocarem, conversavam sem trocar palavras, e iam embora com o coracão sereno, por saberem existir para ambos. Em qualquer canto de mundo, de tempo, e de vez, bastava saber que voce existia. E eh por isso, meu bem, que te digo que não te preocupe, nas esquinas por onde passo, eu recebo suas flores.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Divided Soul


"Obrigado Srta. Alves,
A sua reserva foi efetuada com sucesso. Será enviada a confirmação para o seu e-mail."


E entao ficou aos prantos, ao som de Cassia Eller cantando "Estamos indo de volta pra casa...". Srta. Alves imaginava se alguem 'nesse mundo de meu Deus' poderia compreende-la, se alguem nesse planeta inteirinho poderia dizer a ela palavras sabias, que acalentassem sua dor, que acalmassem o seu medo, que entendessem a sua alma dividida. Sentia-se constantemente dividida, e nao conseguia explicar fielmente o sentimento, de forma que, as lagrimas sim, eram suas fieis companheiras da compreensao de um sentimento inexplicavel. Deixar pra tras era o que sentia, o que temia, o que ja a sufocava de dor de saudade, saudade de ambos, de tudo, ate do que ainda nao foi. De esquadros, de esquinas, de pontas de vida dividida. Saudade era sua sina, sua pagacao de pecado, de promessa, de escolhas de vida. E que injusta era a vida quando nos fazia escolher. Que injusto era nao poder carregar de forma que se pode tocar, sentir, viver em tempo presente todo aquele passado de gloria, de bagagem, de vivencia. Perderia o gosto de desafio que carregava na boca? Perderia o gosto de aventura que carregava na bolsa? Perderia o gosto de si mesma, tao repleta de sonhos, tao confiante em cada um dos seus planos, tao cheia de desejos insaciaveis de futuro? Nao queria nem dormir, pra nao perder nem um minuto do presente. Agarraria o tempo pelas mangas e te apertaria o colarinho, te pondo o dedo na cara e gritando em tom decidido: "voce nao vai fugir de mim. Nao vai." Lutou contra o sono como quem luta por mais um minuto de vida, ate adormecer com sonhos brandos no canto dos olhos entregues a mais uma madrugada que se acabava.

sábado, 10 de julho de 2010

Summer fruits



- Cansei, quero ser normal!
E se jogou no chao como se seu corpo pesasse 100 quilos. O dia estava quente como ha muito tempo nao sentia, e ela queria estar na ilha. O sol queimava la fora, seu cabelo preso num coque alto pedia um corte, um cuidado, uma dose de retoques de verao, um dia de salao. As unhas cor de goiaba descacavam, mal pintadas, e o pe cheio de calos bem que gostaria de experimentar o spa das carpas que comem peles mortas. Credo! Tudo bem, nao era pra tanto. Era o velho e bom dramatico efeito do bico que ela fazia. So queria voltar a ser princesa, tava cansada de ser gata borralheira, embora fosse mais digno, ja que o trabalho dignifica o homem. 'Isso eh conversa pra boi dormir', pensou. Mas nem sabia como ela mesma dormiria com tanto pensamento fervendo de calor. Tava tudo muito quente dentro de si...o verao e seus frutos de perdicao.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Fireflies






Eu diria que poucos gestos são tão eficazes quanto os naturais movimentos da liberdade. Eu diria que se não tivesse tanto livre arbítrio e tanto espaço para criar, não desenvolveria tão bem os meus dons e os meus caminhos. Mas, especialmente, eu diria que se não houvesse música, amigos, e sorrisos constantes, aí sim, eu não teria virado nem a primeira esquina. Mas eu ainda acho curiosa a forma como a gente quer sempre mais...

segunda-feira, 5 de julho de 2010

índio alado


"Eu quis o perigo e até sangrei sozinho.
Entenda - assim pude trazer você de volta prá mim,
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do início ao fim
E é só você que tem a cura pro meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi."

(Índios - Legião Urbana)


*

Eu quis o perigo e até sonhei sozinha, sangrei sozinha, voei sozinha. E a cura pro meu vício de insistir talvez ainda não exista, mas se existir, deve estar com você. Eu te pediria uma poção mágica dessas que acalma os ânimos de mais querer, e mais querer, e mais querer. Mas enquanto eu não te encontrar em alguma esquina de vida, vou sentindo essa saudade de tudo que ainda não vi, um dia talvez eu te conte, você vai rir, e quando a gente ri é porque se identifica, você entende. O que alguns não entendem é dessa saudade de futuro, desse gosto na boca, de um 'sei lá o quê' preso na gente assim, que quando tenta se explicar se embola em palavras porque é difícil de dizer e tão fácil de sentir. Aí é que está a graça. No mistério de um sentimento genuinamente próprio e dono de si. Então fica combinado assim, se você não tiver a cura, será que ao menos teria a mesma mochila pra se juntar a mim?