segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

De fim de ano




"Enquanto houver você do outro lado
Aqui do outro eu consigo me orientar
A cena repete a cena se inverte
Enchendo a minh'alma
d'aquilo que outrora eu deixei de acreditar

Tua palavra, tua história
Tua verdade fazendo escola
E tua ausência fazendo silêncio em todo lugar

Metade de mim
Agora é assim
De um lado a poesia, o verbo, a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
E o fim é belo incerto...
depende de como você vê
O novo, o credo,
a fé que você deposita em você e só."



Era meio dia, de um dia comum de inverno. A chuva havia molhado a calçada, e eu caminhava nas minhas botas felpudas por dentro, com aspecto de pata de elefante por fora. Soa pesado, mas meu caminhar era leve, eu tinha visita em casa, e mais uma vez, estava indo ao Big Ben fazer turismo - e por ter feito isso tantas vezes, repetia que já poderia receber o título de guia turística oficial de Londres. E se fosse considerado que poderia fazer o caminho de casa até a estação de metrô de olhos fechados, de repente até ganharia o título de cidadã oficial da cidade. Era o que queria, mas não era o que viria a acontecer. Meu caminho estava longe dali, embora eu ainda não soubesse. E se soubesse, desacreditaria, duvidaria, negaria até o fim, porque ir embora não era o que o coração pedia. Era temido, era sofrido. E foi nesse mesmo caminho repetido que me deparei com o que mais tarde eu chamaria de "sinal". Sim, porque se você sempre faz o seu caminho corriqueiro, deixa cair o tercinho que sua mãe lhe deu antes de viajar, não dá por falta dele, e depois de muito tempo o encontra pendurado numa plantinha no meio dos seus passos rotineiros de idas e vindas pra casa, o que você conclui? Bem, não sei como anda a sua ligação com os céus. Também não julgo e nem tento convencer a ninguém das minhas crenças. Pra lhe ser sincera, há muito eu já não acreditava mais em milagres divinos, e não pense você que um tercinho pendurado numa plantinha, sozinho, teria esse poder: o de me fazer voltar a acreditar. Não. Foi mais do que isso. Foram as vezes em que eu não pedi, e caiu do céu a resposta que tanto me pinicava. Ou a solução que me era cobrada, ou o encaixe de peça que faltava. Foram as pessoas que vieram ao meu encontro, foi o que aprendi com elas por aquele determinado momento, foi o que pude ensinar a quem precisava me ter em sua vida, foi a simples e pura troca de vivência, de olhares, de crenças, credos, cores de dentro.

Nunca tinham me pedido para escrever um texto. As expectativas eram em volta de um suposto livro que, um dia, eu lançaria. E diante de uma expectativa tão alta, que pedido singelo era esse que não poderia ser atendido? Pensei em falar de sonhos, mas o meu texto veio com tema pré-selecionado, e eu não tinha como escapar. Se me pedissem para resumir em poucas palavras esse tempo fora eu diria: Liberdade, independência, sonho, aventura, superação. Mas quando minha mãe veio com o pedido de um texto sobre fé para entregar a vocês na minha chegada, eu pensei porque caberia a mim escrever sobre fé, se eu nunca havia sido muito devota de qualquer religião, e porque alguém daria crédito a alguém como eu, que pareço não saber falar sobre assunto sério porque mesmo quando o assunto é sério me escapam sorrisos de canto de boca, apertados, loucos para escapar. E foi quando comecei a escrever que percebi que a minha fé não vinha de igrejas, de santos ou de rezas. A minha fé vinha da minha força, de sinais que a vida me mandou pelo caminho, e se vocês tiverem interesse, vou contar!

No que eu acredito? Acredito que recebemos constantemente mensagens dos céus, dessa energia superior e maior de todas que nos protege e nos guia. Não me atrevo a falar de Deus, não por ser discrente, mas por ainda estar engatinhando nesse assunto. Eu acredito em sinais. Acredito que pais e mães são semi deuses, que amigos são anjos, e que nada acontece por acaso. Parece clichê, mas aquelas frases repetidas são a mais absoluta verdade, ao meu ver. O que nos fortalece é o saber. Saber que não estamos sozinhos, que embora do outro lado do mundo, do lado de cá tinha essa força de mãos dadas, essa prece no ar. Como aquela música de Teatro Mágico: "enquanto houver você do outro lado, aqui do outro eu consigo me orientar." E de verdade, as nossas verdades fazem a nossa história. No Havai eu subi numa prancha e caí no mar. No Marrocos eu subi num camelo e caí no deserto do Saara. Fascinante. Não apenas pelas paisagens de cinema, e por enredos previsíveis. A mocinha do filme em busca da própria estória. Não foi só isso. Foi a busca por mim mesma. Por saber quem eu realmente era, e o que eu realmente queria. Sonhos. Eu sempre tive necessidade deles. De estar sempre criando novos planos e sonhando novos sonhos. E de sonhos eu alimento minha alma, faminta por desafios, com sede de mundo, de mim, de uma versão melhor de mim mesma.

Pra terminar, tive um devaneio sensato, caberia também contar. Eu nunca me formei em nenhum curso de faculdade, e confesso que meu sonho era escrever os agradecimentos do convite da solenidade e festa de formatura. Mas olhe que ironia, eu que já me peguei muitas vezes elaborando esse textinho de gratidão pela conquista de um diploma, agora estou aqui escrevendo um textinho de gratidão pela conquista de tudo que ganhei nesse tempo fora. Então vamos fazer assim; de trás pra frente, começando do final: eu escrevo o texto agora já agradecendo pelo diploma, e daqui há 4 anos vocês me lembram do quanto pareci confiante nesse dia de hoje? Pois bem, que fique então aqui o meu agradecimento à minha mãe. Por nunca ter me pedido nada além desse texto. Pela aceitação recíproca. Por ter amaciado as verdades e por ter sempre rezado com tanta vêemencia por suas três filhas. Se demorei tanto pra concluir esse texto, foi porque me exigi não entregar a ela nada inferior ao que ela merece. Por ter investido e apostado todas as suas fichas em mim: Obrigada.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Na lixeira


Conselho de Ferreira Gullar aos jovens poetas, na Folha de São Paulo: "Você é o primeiro leitor do que você escreve. Seja exigente o máximo que puder".

*

É por ser a primeira leitora do que escrevo que ando não publicando os meus rabiscos. São frases e mais frases soltas e flutuantes num ar de censura própria que não as julgam belas. Me perdoem, queridas palavras. O perfeccionismo não me permite torná-las livres.