domingo, 8 de fevereiro de 2009

Pedaço de mim.

Antes me bastava ter um papel e uma caneta ou um lápis qualquer para que eu começasse a me traduzir em palavras, que acabariam em escritos guardados, amassados, perdidos no tempo e nas gavetas. O pedaço de papel achado no meio da madrugada e usado debaixo da luz do abajour como confidente, e porque não dizer, parceiro na arte da compreensão, no desabafo pela escrita, foi substituído pelo computador e suas teclas, que digitadas rapidamente, vão soltando as letras, palavras, linhas, frases...muitas vezes deletadas, muitas vezes arquivadas, para um dia, quem sabe?

Esse "um dia" seria dia de glória, tal o qual talento escondido seria revelado. Sim, o talento para a expressão pelas palavras escritas, para mim muito mais fácil, talvez mais cômodo, porque não exige voz, é você com você mesmo, sem ninguém para revidar naquele momento, te deixando livre para seguir sua linha de raciocício, que às vezes vai longe até demais, tornando um pensamento num parágrafo sem fim, o que visualmente, pela estética da escrita, não fica tão bem. Mas aí você volta, apaga, reformula, refaz, ou simplesmente deixa como está e guarda...nunca vai ser visto mesmo, pra quê torná-lo admirável?

Desde sempre contemplei o poder das palavras, e acredito que saber usá-las é um dom. A palavra tem força, é imperativa, se faz presente e cria um mundo, se faz ausente e deixa tudo vago, deixa um vácuo, deixa o silêncio do que pode ser subentendido, ou não. E para falar de nós mesmos, buscamos as mais rebuscadas, as mais bonitas, que mais se combinam, que provoquem uma leitura harmônica, que soem como música ao serem lidas. E por isso não é fácil escrever sobre nós mesmos. Entregar nossos pensamentos, dúvidas, conflitos, constatações, afirmações, angústias, medos, anseios.

Sempre tive o hábito da leitura, como maneira de me deixar levar a outras vidas paralelas à minha, porque cada livro é uma viagem, são capítulos e mais capítulos que te puxam pela mão e te levam para outro mundo, é a liberdade da imaginação correndo solta. E quem gosta de ler, frequentemente gosta de escrever, nem que sejam rasuras entregues à algum papel velho, vez ou outra. Quantas vezes estou dirigindo e me perco nos meus pensamentos, me dou conta de que aquilo deveria ser registrado, deveria ser guardado para mais tarde, arranjo um pedaço de papel qualquer (nem que seja a multa por ter estacionado em local proibido, que estava dentro do porta-luvas), e rabisco de forma meio torta algumas palavras soltas, que mais tarde me farão tanto sentido? Quase já bati o carro por isso, mas quando a fertilidade brota na nossa mente, não existe marcha, sinal de trânsito ou pedais de direção que possam atrapalhar!

No entanto, quando penso em mostrar a alguém, me vem um embaraço enorme. Sinto as mãos suarem, o rosto esquentar, e penso "uau, isso sim é dar a cara a tapa!". Divulgar nossos escritos é assumir a si próprio, e por isso queremos tanto enfeitar as frases, rebuscar as palavras, torná-las admiráveis. As poucas pessoas que já haviam lido os meus textos se mostraram surpresas, diziam que eu deveria aproveitar esse meu "talento" e me recomendaram a estudar Jornalismo, fazer algum curso de redação e quem sabe um dia publicar minhas produções em forma de livro ou talvez numa coluna de revista feminina. Tudo isso, para mim, era um grande sonho e me parecia distante...apenas distante. Evidentemente, faltava coragem. Não para escrever, e sim para divulgar tais escritos. Mas é quando mais precisamos de coragem que nos batemos de frente com situações-chave, pessoas-anjos, que iluminam o óbvio, tornando tudo mais confortável e encorajador.

Ser atriz, repórter, artista...todas essas profissões te expõem além da exposição comum. Te despem, te deixam nua e crua, justamente pela forma como você se mostra e se entrega ao "público". Tenho a impressão de que, ser escritora é mais ainda, seja pelas suas idéias visíveis a olho nu, ou por aquelas mais encruadas em palavras subentendidas, ditas de forma não-clara, como um código a ser decifrado, a espera de uma interpretação, como um codinome. Decifrar o conteúdo dos pensamentos alheios também é tarefa dos psicólogos, profissão escolhida por mim, e até hoje esperando o diploma chegar. E ser psicóloga, não seria se esconder à sombra dos conflitos alheios? Ou seria ter a chance de escancarar os seus próprios conflitos, mostrando-se tão comum quanto um ser humano qualquer?

Mas aqui estou eu, em meio a tantos rodeios, escrevendo sobre mim. Diversas vezes, para fugir de ser o tema principal, escrevi sobre assuntos "extras", assuntos "paralelos" à minha pessoa. Fiz crítica de comida, de filme, de livro...Críticas rendem textos ameaçadores, porque tem o duplo poder de te elevar a auto estima, ou de arruiná-la. Digo e repito que nenhum livro vem para nossas mãos à tóa. Parece que eles nos são "encaminhados" no momento mais adequado, como obra do destino. Quando li "Ensaio sobre a cegueira" fiquei com um pé dentro da história, ou seja, bem envolvida com aquele drama todo. Mas foi no meio do carnaval de Salvador, diante daquele caos de catadores de latinhas, com os meus pés e pernas sujos da lama da chuva, que me senti verdadeiramente dentro do "Ensaio sobre a cegueira". Era como se a euforia e o ritmo frenético da festa acobertasse o caos, a desordem que também estava lá. Como se aquela suposta alegria torna-se aqueles frenéticos foliões de coração vazio ficarem cegos diante do óbvio. Sim, porque era óbvio que todos ali estavam buscando a felicidade, tapando o sol com a peneira, encobrindo o fato de que aquele entusiasmo era passageiro, momentâneo, e dava brecha pro vazio que vinha depois. Mas quando pensei em escrever uma crítica ao carnaval de Salvador, associando-o a um livro tão bem conceituado, do tão bem visto José Saramago, cadê a coragem de dar a cara a tapa? De misturar meu nome ao dele, eu, escritora por hobbie, ele, escritor de profissão, famoso, premiado, etc etc etc...

Mas enfim, para encurtar conversa, até porque já dei rodeios demais...me sugeriram a criação de um blog, ao qual fui resistente, mas de repente me peguei aqui de frente pra tela e teclas, pensando e pensando..."e se eu apenas começasse?". Porquê não? Então vamos lá...Tenho que dar um título, batizar o meu espaço. Entro no google ("in google we trust!") e busco os mais fomosos, os mais populares, apenas por curiosidade...
"Brainstorm" - bom nome.
"Pensar enlouquece, pense nisso!" - ah, e como!
"Querido leitor" - por favor, preciso esquecer que terei um leitor!
"Hipermoderna.net" - Não, ainda sou meio careta para ser moderna em excesso!
"De graça é mais gostoso" - Sim, mas um dinheirinho não faz mal a ninguém, hein?
"Carreira solo" - Solo nunca, sou bem cercada!
Devo dizer que não estou sozinha nessa...tenho por trás da falta de coragem e dos meus maiores defeitos e melhores qualidades toda uma família de amigas, um namorado que me encoraja, e uma mãe que me apoia incondicionalmente. Então, depois disso, só posso titular o meu blog de "Vindo de mim, mas com um pouquinho de todo mundo". Bem vindo ao mundo!