sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Rainha do infinito



"Quanto mais talentosa a mulher, mais indócil ela é."

William Shakespeare


***
Dobrou a esquina e chegou na sua rua. Dali a pouco enxergaria a janela do seu apartamento e ficaria muito feliz se a luz estivesse acesa. Estava. Sempre tinha essa sensação boa, e de alívio, quando sabia que elas estavam lá, à sua espera, e que ela entraria em casa e teria risadas, perguntas sobre o seu dia, novidades de cada uma, conversas profundas, uma família. Em pouco tempo abriria o vinho que trouxera debaixo do braço, comprado no caminho. Em pouco tempo derramaria-se em lágrimas insóbrias de um choro rasgante, um desabafo a ponto de ser fulminante. Drama confesso. Um futuro incerto. Desejaria o pai que não viria, o amor que perderia, a mãe que sofreria. Drama, sabia. Calou-se. Verbalizar a cansava. Pensar então era tudo que sobrava.
Gostava de reconhecer os caminhos quando andava sozinha pelas ruas, sentia a liberdade batendo no seu rosto junto com o ar frio nos seus ossos e na pele clara, cada vez mais clara. Gostava de se sentir como se estivesse em casa, e mais ainda, de saber que não estava. Sentia um conforto enorme na distância da sua antiga vida. Aliou-se com esconderijos, e neles se hospedou. Deixou-se invadir pela paz do tempo sem dono, do reino sem trono. Não queria ser encontrada, perdeu três celulares e não foi à toa. Não queria ser achada. Sonhou ser inatingível e assim se tornou. Virou rainha do infinito e seus passos deixariam pegadas eternas nas estradas do desconhecido.

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