segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Mar sem fim



“Tanto mar, invés de nos separar, nos uniu. Em 141 dias de ausência, do início ao fim, o Paratii fez a sua volta e retornou a Jurumirim. A Terra é mesmo redonda. Ao longo do caminho, pensando bem, nem vento, nem ondas, nem gelo tão ruins, porque no fim, nada impediu meu veleiro de voltar inteiro à sua baía. E nada foi melhor do que voltar para descobrir, abraçando as três, que o mar da nossa casa não tem mesmo fim.

Pior do que passar frio, subindo e descendo ondas ao sul do oceano Índico, seria não ter chegado até aqui. Ou nunca ter deixado as águas quentes e confortáveis de de Parati. Mesmo que fosse apenas para descobrir o quanto elas eram quentes e confortáveis. Eu senti um estranho bem estar ao contornar gelos tão longe de casa.

Hoje entendo bem o meu pai. Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou tv. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é, que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”.


Amyr Klink - Mar sem fim

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Tenho uma amiga que vive se queixando. Aonde quer que esteja, as coisas para ela nunca estão em completa perfeição, sempre há algum defeito, algo que poderia ser diferente, que poderia ser melhor. Não gosto de gente insatisfeita, que vive se queixando da vida, e se tem um defeito nela do qual eu sempre me queixo, é esse. E embora tenha um carinho de irmã por ela, e a tenha no meu coração como uma das minhas melhores amigas, esse defeito nela me enlouquece. No meio da pobreza da África, talvez ela não visse maiores motivos para estarmos ali. E eu, querendo fazer algo para mostrar a ela o quanto ganhamos com cada pista em que aterrisamos, comentei sobre esse textinho aí de cima, que parece ser unanimidade em sucesso, super adotado por viajantes e pessoas que vivem na ambição de viajar.

Eu já havia assistindo esse documentário de Amyr Klink alguns dias antes de ir embora do Brasil. Quando tinha lá pros meus quinze anos, ganhei de minha mãe um livro de Amyr Klink chamado "Cem dias entre Céu e Mar". Logo depois ela apareceu com outro dele chamado "Paratii: entre Dois Pólos". Minha mãe nunca foi contida nas suas compras ou em qualquer coisa que inventasse fazer. Se tinha que comprar UM tapete, ela conseguia comprar DEZ de uma só vez. Se tinha que fazer um jantar, fazia um banquete com mesa decorada e bom gosto nos mínimos detalhes. Em termos de livros, sempre tivemos enciclopédias e mais enciclopédias, herdadas de nossas avós. E por ter crescido em meio a livros, sempre serei grata a ela por isso, e com certeza, farei o mesmo com os meus filhos. Um livro é uma viagem sem sair do lugar, mas por ser inquieta de natureza, eu quis viagens de verdade, saindo pelo mundo afora.

Quase dez anos depois, Amyr Klink lançou "Mar sem Fim". Desde o pouco que eu conhecia das suas obras (não conseguia ler os seus livros por completo, já que haviam termos de navegação muito técnicos, de gente que entende, e que escapavam dos meus conhecimentos, e mais ainda, da minha curiosidade), admirava a sua coragem e espírito aventureiro, e foi isso mesmo que extraí do pouco que absorvi. Mas, assistindo ao documentário, teve algo nele que me impressionou, um lado solitário que não se incomodava em ser assim. Um homem que parecia um tanto individualista, capaz de passar dias afastado da mulher e filhas, sem ninguém para dividir as tempestades no veleiro, sem ninguém para falar sobre as tormentas ou para comemorar as chegadas. Uma certa frieza, que até combinava com os lugares por onde ele se enfiava com o seu veleiro. Cada viajante tem lá as suas características pessoais, não que eu esteja julgando as dele. Mas eu, Ticiana, não me sinto realizada nas minhas viagens se não tenho com quem compartilhá-las. Se não tenho como dividir as surpresas do caminho, se não tenho como acrescentar àqueles que me acompanham.

E agora que tenho nove meses fora de casa, e agora que já é quase hora de voltar...nove meses, o tempo de um filho crescer dentro da gente, o tempo de crescer um novo alguém dentro da gente...e não deixou de ser assim. Eu só tenho a sensação que esse mar todo entre a gente não tem mesmo fim. Que nenhum destino é definitivo, que nada é definitivo, a não ser o amor incondicional que trazemos no peito. Esse mesmo amor que nos leva de volta para onde saímos.

Então hoje eu agradeço aos céus. Aos astros, aos anjos, aos deuses e todos os Santos. Por ter nascido abençoada no dia seguinte ao dia de Todos os Santos, por ter nascido na Baía de Todos os Santos, por ter Deuses e semideuses (mães são semideuses, amigos são anjos!) e anjos e estrelas, que me guiam e me protegem.

Abençoada seja a circunferência da Terra e seus infinitos mistérios, que me transformam cada dia numa pessoa melhor. Mais íntegra, mais digna, mais espiritualizada. Bendita seja essa minha vida bandida de coração vagabundo em trilha cigana. Palavras são apenas palavras quando tento fazer entenderem o quanto essa viagem tem feito bem a mim. E quem diria, eu, íntima das palavras, fico sem saber como ordená-las para me fazer entender o quanto de intensidade ainda caberia no que quero dizer, ainda que eu diga da minha melhor forma. Vou então finalizar por aqui...e já que comecei com Amyr Klink, é com ele mesmo que termino o meu texto:

"Pior que não terminar uma viagem é nunca partir."


Cliquem lá em cima para abrir o vídeo. Vale a pena.

Volto com notícias de Santiago de Compostela e Lugo; próximas paradas! ;)

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