quarta-feira, 9 de junho de 2010

Agridoce





"... uma solidão de artista e um ar sensato de cientista.[...] tem aquele gosto doce de menina romântica e aquele gosto ácido de mulher moderna."

Caio F. Abreu

*

Olho pro alto e tento ver resquícios de passagem sua. Nenhum pedaço de roupa rasgada presa na estaca de madeira por onde você poderia ter entrado correndo. Nenhuma pegada na entrada de barro pisado, nem o seu cheiro - aquele que costumava tomar conta da minha paz no momento em que você entrava - nem ele pairava no ar. Fiquei preocupada, pra não dizer que fiquei triste. De fato, havia me acostumado a perder. Nada durava nas minhas mãos. Amores não chegavam a ser amados. Aparelhos eletrônicos se quebravam, ou simplesmente, eram perdidos, esquecidos no banco da escola das crianças, molhados de vinho derramado na bolsa, caídos no chão do ônibus costumeiro. De costume mesmo era perder, e espantoso mesmo, era já não se importar. Seria então por desapego ou apenas por desinteresse? Já não fazia questão de todas as malas que carregava, viagem após viagem. Logo enviaria tudo de navio pro inferno, caso o inferno tivesse mar. Ou me pouparia de esforços - afinal, carregar tudo aquilo era uma tortura aos meus pobres músculos fracos - e largaria tudo na loja de caridade. Vestiria apenas aquela manta laranja dos monges, e iria peregrinar em cidades perdidas, conectada com a natureza, os céus e Deus. Duraria menos de um dia, eu sei. Duraria o tempo de chegar lá e já querer voltar. Mas teria sido bom conviver com criaturas tão calmas e verdadeiramente desapegadas do materialismo banal. E entre tantos pensamentos delirantes, sigo andando pela rua, entrando e saindo de lojas sem nem mesmo prestar muita atenção no que estou vendo, perdida em meus desejos megalomaníacos de ir a Índia, de visitar o Taj Mahal, de andar de elefante e de comer com as mãos...E de repente, saindo da maior loja de souvenirs britânicos de Picadilly, dou de cara com monges fazendo compras. Não controlei o riso, e se eu não tivesse quebrado a minha quarta máquina fotográfica, teria tirado uma foto pra mandar pra minha mãe - sabe-se lá porque, ela vive falando de monges. Senti uma identificação imediata, e se não tivesse com pressa, teria feito amizade. Perguntaria como é isso de ser monge moderninho, e me ofereceria pra acrescentar paetês nas batas laranjas. Mas me recolhi ao meu relógio que me mostrava o horário apertado, o tempo ficando curto e minhas horas vagas acabando, e entrei no próximo metrô com a sensação de que o desapego, de fato, não existe. Seja ele do que for.

Fotos: Minha passagem pelo Templo dos monges Hare Krishna em algum canto da Inglaterra. Casa doada pelo George Harrison, guitarrista dos Beatles, para os monges. Talvez George Harrison soubesse do que se trata o tal desapego.

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